Só se pode sentir a evidência das coisas até um certo ponto: além disso, ou nos rebaixamos ou nos aproximamos do sentimento superior que nos liberta. De facto, o verdadeiro estado de liberdade é o de ultrapassar a imaginação.
Em todos os grandes vencedores e nos que amam o poder encontra-se a seriedade que se explica por uma sobriedade de desejos. A aspiração mata o desejo. E a aspiração é um dos pontos cardeais do poder.
O aforismo deve ser a última colheita do uso da vida, e não uma impertinência ou uma afronta.
A intimidade excessiva desencadeia a hostilidade.
As mais belas civilizações tiveram um rápido declínio, exactamente porque elas foram demasiado longe na dissimulação.
A moral consta duma certa dose de cortesia para parecermos bons.
O humor ilude-nos como uma faísca num campo escuro. A verve um tanto imoderada, uma corrupção do sentimento que se faz galhofa, um medo de ganhar nome de suspeita virilidade. Quem não troça é beato ou é eunuco.
Em toda a pergunta há uma ociosidade. Quem pergunta, esconde alguma coisa; quem muito fala, esconde o coração dos curiosos e despede-os com entretenimentos de vozes.
Nada se aprende das recordações; são um manjar frio que só os gulosos devoram.
O ser civilizado é uma aberração. É perverso.
A melhor prova duma real amizade está em evitar os compromissos entre aqueles que se estimam.
A melhor impressão que a poesia nos pode dar é esta: ficar de coração vagabundo, deixando a vareja estalar na janela as asas grossas, e não dar por isso, como um cão surdo.
Nós, as mulheres, o que nos faz amar um homem é aparentá-lo com tudo o que amamos - o tempo da crise, da puberdade, da gestação, do enigma; os primeiros rostos, as primeiras carícias, os primeiros medos.
Uma nação não nasce duma ideia. Nasce dum contrato de homens livres que se inspiram nas insubmissões necessárias ao ministério dos povos sobre os seus infortúnios.
Se há alguém que não se interessa pelos poetas, são as mulheres. As paixões que as palavras desencadeiam, isso as mulheres recebem no código que a poesia contém.
Quase ninguém repara em ninguém. Em parte porque o espaço que nos circunda está cheio de chamadas, de perigos e de júbilos; o ser humano, longe do que se pensa, é o que menos se nota no mundo.
O homem de Deus é menino pela confiança e é adulto pelo reconhecimento da paz do coração.
A solidão, quando é vivida na infância em completa disponibilidade, sem constrangimento, como um estado semelhante ao do primeiro homem e da primeira mulher, tem tendência a tornar-se crónica.
A infância vive a realidade da única forma honesta, que é tomando-a como uma fantasia.
Nada, na natureza, sofre; só suporta. Desse modo, a natureza comporta-se politicamente. Será justo imitá-la de vez em quando.
A arte não pode ser política, nem sujeição social, nem glosa duma ideia que faz época; nem mesmo pode estar de qualquer forma aliada ao conceito «progresso». É algo mais. É o próprio alento humano para lá da morte de todas as quimeras, da fadiga de todas as perguntas sem solução.
A sociedade prosseguirá em estado de violência, porque o homem não prescinde da sua enfermidade moral que é achar-se inútil num mundo que não criou.
O importante é não perder o estilo, e, se possível, não perder o dinheiro também. Porque o estilo sem dinheiro é uma infiltração do mau gosto.
O fenómeno mais herético é o amor. Ele não é bem recebido nem tolerado porque é uma força sem desistência e que não se revoga a si mesma.
Não há exemplo duma ideia que, por excelente que seja, se desenvolva ao nível do quotidiano. Sofre de toda a espécie de mutações antes de entrar na carreira do lugar-comum, que é onde acabam todas as grandes ideias.
O saber precisa de ser visto com a idiotia que ele próprio comporta, com o jogo de certezas que uma época tem por inevitáveis mas não por permanente. Um mundo sem idiotas é um mundo saturado de falsa dignidade.
A amizade exige a cortesia. Não é como o amor, que, pela sua áurea mudança, se adapta à confidência e ao desembaraço narrativo.
A criança que é despojada da sua riqueza de convivencialidade incrementa a frustração do adulto de amanhã.
A razão é como a mulher honestíssima e sem parentes, que em tudo está falta de auxílio e de liberdade.
Entre a obra de arte e a crítica há um abismo, porque a crítica é inteligência, e a obra é, mais ou menos esquivado ou completado, o impossível.
Que a extravagância não seja nada de prático é o que se acredita e se divulga. Mas, na verdade, trata-se duma virtude pela qual o homem prático, o autêntico, dará todo o sangue das suas veias.
A rapidez que as pessoas imprimem às suas vidas faz com que simplifiquem a realidade e fabriquem o que se chama a «personalidade do momento». Sobretudo nos políticos e homens à escala governativa, isso exprime-se por manifestações impulsivas, peculiares a cada hora, vinculadas às situações proteiformes.
O mundo não precisa de originais, mas de criaturas livres para além de todas as possibilidades humanas.
O homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.
Para se remeter ao extraordinário, o homem tem que criar a sua própria solidão repartida com os outros homens.
A crueldade é um dom, se corresponde a uma denúncia da cobardia no seu todo, mas é um vício se é a consagração da parcialidade. A vingança é uma parcialidade. A desmesura é parcialidade. A grandeza é o todo.
As cidades não são pátrias. É na província que se encontra o carácter e a mística duma nação, e os grandes escritores deixam-se amarrar ao espírito das terras nulas e sensatas a que extraem um brilho que a pedra polida da capital não tem.
Os escritores para crianças ou são chatos ou corruptores. De resto, só escreve expressamente para crianças quem não sabe fazer outra coisa.
Sendo que a vida humana é dominação organizada, e o princípio da realidade é adaptação a essa mesma dominação - há a rebeldia como actividade nobre.
A paz não tem figura nem desejo absoluto; viver em paz não é viver; (...) a paz é um absurdo, como a realidade concreta é um absurdo que é preciso recriar para que se torne afecto do homem, obra sua.
Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito, ainda que a obra, relativa à nossa exigência, nos pareça medíocre.
As revoluções só se detêm com as guerras. As nações, cada vez mais enredadas nas suas embaraçosas decisões, hão-de por fim querer sair delas através dum risco cego, duma experiência que pareça resumir a verdade conjuntural.
A cultura é o que identifica um povo com a sua finalidade.
Dizem mal de tudo com uma insinceridade genial. Os Portugueses são a gente mais insincera que há. Por isso são raramente grandes artistas.
O trabalho não é uma vocação, é uma inspiração. Para manter essa inspiração é preciso um espaço de criação, não só para o artista profissional como para o indivíduo em geral.
Mãe: profundamente cumpridora e formal, nas suas relações com os seus filhos, na sua relação com a casa e com o lar, sempre presente e movida do bem-estar material, mas com um certo puritanismo, talvez até um pouco incómodo. Um puritano quer dizer um rebelde que se ignora.
Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida - e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus.
Os tempos são ligeiros e nós pesados, porque nos sobram recordações. Quem se alimenta delas sofre e descuida as alegrias, mesmo que sejam rápidas e se escondam da nossa razão.